segunda-feira, 31 de agosto de 2009


Sugiro
como sobremesa para o jantar de hoje



Pêra abacate com açúcar

1 pêra abacate
3 colheres de sopa de açúcar
Sumo de um limão


Descasque o abacate e retire a semente. Usando um garfo amasse a pêra abacate. Adicione o açúcar e o sumo de limão. Misture bem e coloque no frigorífico. Deixe passar meia hora e sirva ligeiramente gelado.

(Receita do Maputo)

apr

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Kurika


Os livros não têm horários nem lugares de leitura fixos mas Kurika de Henrique Galvão apetece ler à noite, já na cama. Escrito em Março de 1944 em Lisboa, editado pela Cotovia (Outubro de 2008), tem como subtítulo romance dos bichos do mato. Podia ser classificado como um livro de histórias para crianças onde os animais que são as personagens fundamentais desta narrativa adquirem parte dos atributos que classificam os humanos. Trata-se da história de Kurika, um leão (o nome é a tradução) que depois de ter sido capturado enquanto bebé por um negociante branco é libertado pela macaca Paulina (o outro companheiro de brincadeiras é o cachorro Janota). Como qualquer leão, ao crescer, transforma-se num animal selvagem, rei da selva africana como é sabido, com com as características próprias da espécie a que se juntam o seu particular passado junto dos brancos e dos seus colegas animais de estimação. O mais emocionante nesta novela é o enorme apreço com que os animais selvagens são tratados pelo autor. Quase se pode dizer que tanto quanto ignora a espécie humana, tanto se concentra nas qualidades e características dos animais selvagens e as exalta. É notório o enorme conhecimento que o autor tem da fauna e da flora africana e em especial da savana, do comportamento dos animais e das difentes espécies. Encontramos um aturadíssimo observador e um minucioso escritor com uma capacidade invulgar de descrever o comportamento das feras, as manifestações das estações do ano, as qualidades físicas e temperamentais dos animais. É um escritor zoólogo, um naturista exímio que com certeza tinha um enorme fascínio pela vida da natureza africana que aqui é narrada com uma entusiasmo e objectividade invulgares. Mas tudo isto é possível porque o autor demonstra uma enorme qualidade literária, na composição das cenas e na descrição de comportamentos psicológicos e físicos. As cenas de sedução e de acasalamento dos leões são de um erotismo literário invulgares, as cenas de caça são cinematográficas, a descrição da solidão do animal é de uma precisão emotiva rara.
No final também é a natureza africana - longe das cidades - que se valoriza e admira, situação muito comum na literatura africana.

apr

Voy a explotar



O último filme que levamos de Santiago do Chile: Voy a explotar, de Gerardo Naranjo. Há realizadores assim, capazes de se apropriarem dos géneros cinematográficos mais díspares e fazerem um filme que depois só podia ser deles! Com o mexicano Gerardo Naranjo e com este filme de 2008 confirmamos o que ele sabe da história do cinema - viu tudo, passa dias a ver dvds e quando esteve em Lisboa passou os dias na Cinemateca a ver filmes portugueses - como conhece as técnicas do melodrama, da nouvelle vague, do cinema alemão dos anos 70, os filmes de aventuras, os westerns, etc... e quando transporta algumas destas técnicas para o seu cinema elas fazem todo o sentido. Voy a explotar é um filme de acção, da aventura de dois jovens mexicanos - Roman e Maru - que querem fazer uma revolução nas suas vidas. Um filme cheio de grandes planos combinados com sequências velozes, com uma câmara perseguindo cada gesto dos personagens, invadindo o interior dos livros, dos revólveres, das camas ou da tenda de campismo montada num terraço de uma rica Villa da Cidade do México onde se esconde o casal aventureiro. Ainda a sairem da adolescência mas já desiludidos em relação ao seu futuro Roman e Maru, excelentes na representação, são a confirmação de que todo o sonho pode ser vivido, mas que todo o sonho tem um preço.

Voy a explotar poderá ser visto no Verão em Lisboa.

apr

terça-feira, 25 de agosto de 2009


Já está disponível a segunda edição revista e actualizada da Historia de América Latina y del Caribe do historiador chileno José del Pozo. É uma obra de referência para um conhecimento profundo deste Continente político, geográfico, económico e cultural. Tem como qualidades evidentes a clareza da linguagem, a exposição de factos, o recurso às estatísticas e a convocação de outras obras de autores especialistas nesta questão. Para quem constitui um enigma o tipo de evolução histórica dos países que constituem esta região, o livro historiciza, expõe dados, explicita a partir de factos. Tem ainda o mérito de combinar a história económica com a história política e dividindo esta história por períodos torna claro os progressos ou os retrocessos de políticas e de regimes adoptados. Para explicar as situações de desigualdade social, de regimes totalitários que aconteceram, de violência que caracteriza esta região José del Pozo é claro: tal se deve a uma violência desde a conquista sobre os indígenas (que hoje permanece tomando outras formas), o militarismo que se seguiu às independências e que se traduziu na apropriação pelos militares de direitos, regalias, poderes e de recursos, todos eles excessivos, a formação de oligarquias despotistas de uma pequena elite de proprietários associados aos militares, guerras éticas permanentes, conflitos entre países vizinhos, a incapacidade de superar a crise mundial de 1929, interferência e agressão dos EUA (excepto no período Roosevelt) e mais tarde o alastramento da Guerra Fria a esta região do globo, a excessiva dependência do comércio externo, incapacidade de criar regimes democráticos permanentes. Mais recentemente a partir de 1990 e depois do período populista generalizado, o autor avalia a evolução generalizada do neo-liberalismo que, segundo ele, em nada resolveu os problemas centrais dos conflitos étnicos, a redução necessária da distância entre ricos e pobres (são impressionantes os dados sobre os multimilionários latinos e os níveis de pobreza) e o acesso à educação. Ressalvando as diferenças que existem na actualidade entre os países, seus regimes e seus líderes o autor termina a obra assumindo que um melhor horizonte para os países mais críticos passa pela defesa de governos mais comprometidos com a justiça social e desenvolvimento nacional, por uma atenção especial às questões éticas e, em especial e uma maior autonomia no contexto internacional. Uma cronologia que se inicia com a Guerra da Sucessão Espanhola (1700-1713) e acaba com o plebiscito em Março de 2009 na Venezuela que permite uma re-eleição constante de Hugo Chávez demonstra a ambição legítima desta obra. Em jeito de comentários por períodos históricos o autor faz uma história da cultura popular e erudita destes países, sendo assim possível recordar e sistematizar os clássicos destes países, as suas influências e as personagens históricas: de José Maria Velasquez a Jenifer López.

apr

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Gasolina de Julio Hernández Cordón é um filme Guatemalteco. Sim, de uma das cinematografias menos divulgadas em todo o mundo... porque produz poucos filmes, mas o caso Gasolina demonstra a necessidade de ver os filmes produzidos este país e sobre este país. Gasolina é uma história de aventuras juvenis, de três adolescentes, Gerardo, Nano e Raymundo que têm como actividade principal roubar gasolina para depois simularem num velho carro que pilotam um AirBus A340. É uma forma de quebrar o tédio, atitude tão comum aos adolescentes, neste caso, sem limites à violência contra os habitantes de um bairro residencial chic. Em tempos pouco românticos, e num país muito pouco romantizado, estes três jovens são uma espécie de três mosqueteiros realizando as aventuras possíveis. As cenas nocturnas de ruas desertas e sombras nas paredes das casas são de uma plasticidade cinematografia rara.

apr
Discutir a colonização espanhola com um taxista de Santiago não deixa de ser uma versão vernácula de um debate pós-colonial.

apr

Outra constante do cinema chileno: a construção. Será ela uma metáfora da construção do país? Do futuro? Da família? Isso passa em toda esta cinematografia chilena com a presença das fábricas e das indústrias, da construção de estradas, de casas, da própria criação cinematográfica e no entanto - como um paradoxo - as personagens destes filmes estão sempre a partir; para Madrid, para a Argentina, ou, tão só, atravessam as fronteiras.

apr


Paseo de Sergio Castro San-Martin é um filme de apenas uma hora mas é imenso. Começa por ser um filme on the road, através da auto-estrada que liga Santiago ao norte do país, circulando no sopé da Cordilheira. Uma mãe leva o seu filho adolescente a ver o pai de quem se separou há dez anos.São poucos os diálogos, os essenciais, curtos e directos. O som que acompanha todo o filme é uma partitura cuidadosamente elaborada a partir dos ruídos da auto-estrada, do latido de cães ao
longe na estrada, do som da siderurgia onde trabalha o pai, do chapinhar da água no lago, do som das ondas do Pacífico (como deve ser frio este mar ao ouvir este som), do arfar e desejo do adolescente. O resultado e a interiorização do filme no espectador, subtil a forma, cúmplice a interioridade. Mais uma vez neste filme o pai está ausente, é a mãe que toma as decisões e nesta narrativa supreendente, depois de ter levado o filho a conhecer o seu pai, acaba por partir sózinha e assim deixar o filho entregue ao pai num dia em que este ensina o filho a disparar a sua carabina. É um dos grandes filmes deste Festival e vai poder ser visto em Lisboa em Junho de 2010.
Os responsáveis do SANFIC 5 sabem que esta geração de festivais indie não forma públicos, mas os 75.000 espectadores que tiveram na edição do ano passado numa semana, e os que vao ter este ano - supostamente mais-, é um sinal da excelente relação do festival com a cidade de Santiago e de como responde à urgência do cinema latino-americano.

250 estudantes do Departamento de Cinema da Universidade Católica e vários professores puderam ver na terça feira o filme O Estado do Mundo e, no dia seguinte, no encontro com os mesmo estudantes foi possível ver e conversar sobre os projectos de cinema em produção este ano. A qualidade técnica é enorme, aliás, essa é uma constante do cinema chileno actual, a par de uma "escola de actores" que se destaca por uma utilização da voz única - já conhecida do teatro chileno- e uma relação privilegiada com a natureza. Dos muitos comentários sobre o cinema chileno actual registe-se uma afirmação de um estudante:" sim no cinema chileno os pais estão ausentes, as mães essas estão sempre presentes cuidando, governando, decidindo". A associação com o facto de ser Michelle Bachelet a actual presidente do Chile e uma das líderes mais competentes do mundo actual era evidente.

apr

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O realizador Azazel Jacobs (autor de Mammas´s man) chegou de Los Angeles com um palito na boca. Ontem, num gesto de manifesta camaradagem, abriu a sua pequena caixa made in china e distribuiu os seus palitos mentolizados e esculpidos por quem o quis. Era curioso ver uma sala de cinema repleta de pequenos Clint Eastwoods, cada um com seu palito caído da boca.

apr

SANFIC5



Agosto, Santiago do Chile

É Inverno no Chile. Um Inverno longo e frio. Santiago aquece-se ao sol enquanto a cordilheira em redor, majestosa, está coberta de neve e brilha, ainda é manhã e muito cedo. Em Santiago do Chile decorre o SANFIC5, um festival de cinema indie. Com apenas cinco anos de existência, já conquistou o seu lugar no panorama dos festivais internacionais de cinema. Centrado na cinematografia latino-americana, mas nao só, também apresenta filmes alemães, americanos independentes, romenos, etc...
A cinematografia latino-americana, de há sete anos a esta parte, é uma cinematografia invulgarmente criadora e, com os modelos novos de produção e de associação de produtores, consegue uma quantidade de produções anuais substantiva e inimaginável. Confirma-o as presenças dos filmes em Cannes, Locarno, San Sebastián, Sundance, etc... O Brasil é uma potência de produção e de distribuição (com o fenómeno dos multiplexes a mostrarem documentários brasileiros nas cidades de S. Paulo e Rio de Janeiro), o Chile, há cinco anos iniciou um processo de criação que o torna num dos países de referência no cinema do século xxi, há um novo cinema mexicano rodado entre o México e Los Angeles e até a Colômbia começou a filmar e o Uruguai mostra casos sempre singulares.

Navidad do realizador Sebastián Lelio (1974), nascido argentino mas a viver no Chile, é o segundo filme deste cineasta, depois de uma estreia em 2005 com "La Sagrada Familia". "Natividad" confirma o enorme talento do realizador. Tem por tema a família, que o cineasta considera um dos núcleos sociais mais fascinantes de filmar no mundo contemporâneo, fazendo dele um realizador etnógrafo profundamente urbano. A homossexualidade é o outro tema do realizador tambem presente neste filme como expressão de liberdade política, mas nunca planfetária. "Navidad" é um conto erótico de noite de natal. O guião é poderoso nos detalhes, que supreendem a todo o momento o espectador e produzem uma narrativa de desvios e ambiguidades, o cenário - uma casa na floresta, mas a 10 minutos da cidade! - uma casa que é uma máquina de multiplicação de planos. As cenas de amor são de uma plasticidade contagiante, os actores, jovens actores, são brilhantes nas suas performances.

apr