quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A Bienal

Discutem-se as bienais, os seus modelos, a sua pertinência, a sua eficácia, o seu número sempre crescente, que aumenta todos os anos.
Discutem-se de um modo mais radical (S.Paulo), ou menos (Istambul), mas a Bienal de Veneza persiste sem que estas discussões a afectem muito. Na verdade, ela é um sustentáculo importante do turismo cultural, veneziano em particular e italiano em geral, como o é do mercado mainstream das artes plásticas. As suas últimas edições, depois do curador italiano Achille Bonito (1993), têm vindo a incluir, de um modo citacional, algumas das questões com que se debate a criação e distribuição artísticas contemporâneas, através da introdução de alterações tímidas no seu formato.
Este ano, sob a curadoria do sueco Daniel Birnbaum (n.1963), e tendo por tema um problema recorrente da filosofia da linguagem - Fazer mundos - a 53a edição da Bienal de Veneza é a que terá levado mais longe as preocupações da contemporaneidade para "o interior" das artes. O aspecto mais elucidativo desta alteração decorre da selecção das obras e dos artistas presentes no espaço expositivo do Arsenal e, muito em particular, da montagem que aí foi feita. Num mundo tão marcado pela crise do capitalismo, em particular pela sensação do esgotamento do seu modelo de produção, para cuja substituição, contudo, parece ainda não ter sido encontrado um alternativo – ou, pelo menos, ser outro modelo de vida social e económico universalmente aceite - iniciar uma exposição com uma obra notável de Lygia Pape (1927-2004) é um acontecimento inteligente só por si. Ttéia, obra criada em 2002, é uma teia de fios de ouro habilmente construída, simulando colunas de luz que ligam planos opostos e antagónicos. A obra é de uma espiritualidade absoluta e estabelece uma ponte eficaz entre a ancestralidade e o futuro. Acresce que esta obra permite ao visitante a possibilidade de regressar a um tema "oculto" que é a beleza, e coloca-o na possibilidade de alguma transcendência poder novamente acontecer frente a uma obra de arte.
Depois deste início sublime, a exposição continua com um gesto poderoso de ruptura contra a monumentalidade, materializado na violência exercida por Michelangelo Pistoletto (n.1933) sobre um conjunto monumental de espelhos adornadamente emoldurados. Esta componente de intervenção no real e, portanto, criando mundos, permanece em toda esta montagem, intitulada Seventeen less one, cuja ideia inicial data do final da década de 1960. De algum modo, e salvo a distância da escala, esta exposição corresponde também às expectativas do Próximo Futuro, enquanto programa cultural de intervenção.




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