A continuidade do mundo está em nossas mãos. Depende da minha, da sua, da nossa consciência e responsabilidade com o amanhã. O próximo futuro solicita um comprometimento humano de evolução ecossocioeconómica [usando o termo de Ignacy Sachs] solidário e equitativo em que cidadãos e o Poder Local têm além do compromisso de desenvolvimento sustentável o envolvimento da gestão participativa.
Para responder sobre a crise o meu pensamento vai para as questões do desenvolvimento local sustentável, ou seja a cidade onde moro, vivo e trabalho. No momento actual, a crise alastra-se como uma epidemia e atinge principalmente os países desenvolvidos. Por ironia, esta mesma epidemia encontra alguns anticorpos nos países que sempre viveram em crise, ou que conhecem diversos tipos de crise, como exemplo: crise inflacionária, crise da fome, crise da seca, crise da violência, crise da saúde, crise do terceiro mundo, crise das crises!
No primeiro Workshop de Investigação – Próximo Futuro, Respostas à Crise – o Professor António Pinto Ribeiro fez a seguinte pergunta: a crise atinge o microcrédito? Ora bem, o microcrédito é especificamente uma ferramenta de desenvolvimento socioeconómico local. Naquele momento, pensei se deveria ou não responder porque só conheço o ambiente de microcrédito no Nordeste brasileiro. Porém, diante da actual crise sócio-económica-financeira o microcrédito não foi atingido na mesma proporção que o sistema de crédito formal e posso dizer o porquê, com base na minha experiência de trabalho e investigação recente. Quero antes recordar que o microcrédito serve para atender aos que pouco têm ou nada têm para empreender um trabalho autónomo que quando muito, emprega um ou outro familiar na abertura ou manutenção do negócio.
Contraditoriamente, o microcrédito se expandiu no sentido de colaborar para diminuir as estatísticas referente a crise socioeconómica que, neste caso, há muito está presente nos países em desenvolvimento da América Latina. A maioria das instituições que trabalham com crédito produtivo popular , no Brasil, são Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), bancos do povo, cooperativas de crédito e outros instituições do Terceiro Sector, além dos bancos tradicionais. Contudo, a metodologia de acesso ao crédito usada principalmente pelas OSCIP´s (Terceiro Sector), tende a agir de maneira rápida e sem burocracia para proprietários ou empreendedores de pequenos negócios formais e informais que necessitem de recursos financeiros para promover o crescimento de seu microempreendimento.
A chave do sucesso usadas pelas organizações do Terceiro Sector e também por alguns bancos é a metodologia da concessão de crédito orientada e formação de grupos solidários. Neste caso, o agente de crédito relaciona-se directamente com o microempreendedor no local da sua actividade produtiva. O atendimento é personalizado e feito por pessoas treinadas para orientar o tomador sobre a gestão do negócio, as suas necessidades de crédito, a definição do valor do empréstimo necessário para o desenvolvimento sustentável do negócio e as condições do crédito após a avaliação da actividade e da capacidade de endividamento do empreendedor. Esta metodologia contribui para a autonomia do solicitador do crédito, para que seu negócio seja duradouro e ao mesmo tempo a instituição financeira tenha menor índice de inadimplência. A formação do grupo solidário funciona como uma rede de sociabilidade em que as pessoas comprometem-se uma com a outra pela responsabilidade do crédito adquirido.
O menor índice de inadimplência favorece o sistema de crédito rotativo, desse modo o crédito concedido retorna para a instituição financeira pela eficiência e eficaz manutenção das contas exercida pelo agente de crédito. Portanto é possível dizer que a crise não atingiu as organizações de microcrédito que actuam em sistema de rede de sociabilidade, seja ela através de programas financeiros nacionais, programas de responsabilidade social ligados ao sector privado e financiamento internacional, incluindo seu modo profissional de gestão financeira. No entanto, a crise atingiu em parte as organizações de microcrédito que vivem unicamente de recursos internacionais de financiamento.
Acredito que parte do sucesso das organizações do Terceiro Sector no Brasil decorre em função da sua profissionalização e dos seus projectos de auto-sustentabilidade em que o lucro obtido é reinvestido para sua maior autonomia e competitividade sem esquecer a sua função social, mas não filantrópica. Este comportamento muito se deve a algumas Instituições de Ensino Superior que têm em seus cursos de licenciatura na área de Ciências Sociais a inclusão de disciplinas que atendem as necessidades do Terceiro Sector, bem como inúmeros curso de pós-graduação, mestrado e doutoramento na área do Terceiro Sector e da gestão social.
Bernardette Bittencourt*
1. Sachs, Ignacy (2007) Rumo à Ecossocioeconomia – Teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo, Ed. Cortez.
2. Bittencourt, Bernadete (2008) http://www.ces.uc.pt/e-cadernos/pages/pt/numeros/02--2008-ndash-novos-mapas-para-as-ciencias-sociais-e-humanas-artigos-pre-coloquio/bernardete-bittencourt-dinamicas-sociais-contemporaneas-redes-capital-social-e-desenvolvimento-sustentavel.php?lang=PT
3. Expressão mais adequada para o microcrédito na opinião de Paul Singer.
4. Ver como exemplo o CEAPE/PI - http://www.ceapepi.org.br/ - observar que na sua página existe a publicação do seu desempenho e fontes de financiamento, BID, OIKOCredit, CEF, SEBRAE, BNDES.
5.Ver Merege, Luiz Carlos (2009) “O impacto da crise no terceiro setor”- http://integracao.fgvsp.br/ano11/10/editorial.htm
6. Algumas referências: Centro de Empreendedorismo Social e Administração em Terceiro Sector, USP, São Paulo - http://www.ceats.org.br/ - CETS – Centro de Estudos do Terceiro Setor, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo - http://eaesp.fgvsp.br/ - CIAGS - Centro Interdisciplinar de Desenvolvimento e Gestão Social, Escola de Administração da UFBA, Bahia - www.gestaosocial.org.br - NIPETS - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas e Estudos sobre o Terceiro Setor, Escola de Administração da UFRGS – Rio Grande do Sul - http://www.ea.ufrgs.br/
* Bernadete Bittencourt, Administradora formada pela EAUFBA, Brasil; doutoranda em Sociologia Económica e das Organizações ISEG/UTL, membro e investigadora do SOCIUS/ISEG/UTL – Centro de Investigação em Sociologia Económica e das Organizações.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
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"No entanto, a crise atingiu em parte as organizações de microcrédito que vivem unicamente de recursos internacionais de financiamento."
ResponderEliminarAcho que esta afirmação não é bem verdade...
1) A microfinança promove a utilização de dinheiro local e modelo em si é muito robusto, sustentável e auto-suficiente.
No entanto, hoje em dia, a grande maioria das instituições de microfinança recorre de facto a financiamento bancário (por vezes internacional) porque está a crescer muito rápido. Portanto, eu diria que os soluços do sistema financeiro internacional não ameaçam a microfinança, ameaçam "apenas" o crescimento meteórico que tem esta tem tido nos últimos anos...
2) Esta crise até ajudou a microfinança na medida em que ao demonstrar a sua baixa correlação com os mercados financeiros, fez com que as instituições de microfinança passassem a ser um activo interessante a deter como parte de qualquer portfolio de investimentos bem diversificado! Como consequência hoje temos vários investidores privados e até fundos de 'private equity' a injectar milhares de milhões de euros no sector.