quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Rio de Janeiro




“Rio 40 graus, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos”, canta Fernanda Abreu, a musa carioca branca e sofisticada mas com a ginga de mulata que requer a uma perfeita carioca. Rio é uma cidade naturalmente anti-gueto, pois a favela cruza zonas ricas e chega às ruas com a mesma disposição com que galga os lindos morros da cidade. A cidade serpenteia entre o mar e a montanha, esquiva-se de estar partida socialmente, quando pobres e ricos na praia, desnudos, têm o mesmo valor. O Rio além de belezas naturais é feito de gente que cruza as geografias a eliminar as diferenças sociais que possam existir. O Rio é Ernesto Neto, o mais notório artista brasileiro no exterior, com seu atelier plantado em meio ao caos da baixa da cidade; é Adriana Varejão e Beatriz Mihazes no elegante Jardim Botânico; é Cildo Meireles no tradicional Botafogo, bairro preferido dos lusitanos; é Tunga e Adriana Calcanhotto em meio à “selva” da Floresta da Tijuca; é Paulinho da viola, o elegante príncipe do samba, na deselegante Barra da Tijuca. Eis o espírito do Rio: a implosão dos clichés.


O Rio é erudita e popular em sua natureza cosmopolita e cool. Do Leblon a Lapa, da Tijuca ao Centro, tudo é possível. Ruas apinhadas de gente, sons atravessam o eixo da cidade zona norte – zona sul interligada pelo Centro, umbigo do mundo. Lá a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, o CCBB, o Centro de Artes Helio Oiticica, ao lado do maravilhoso Gabinete Real Português, são orgulhos da cidade. Os bailes “charm” do Clube Bola Preta disputam frequentadores da Cinelândia que vão aos concertos no Theatro Muncipal. Rio é a cidade onde Vila-Lobos, patrono da música moderna brasileira, misturou Bach e o choro. Nada mais carioca que a implosão da alta e da baixa cultura. Rio é a glória do “chope” e do bolinho de bacalhau – uma das melhores heranças portuguesas que os brasileiros melhoraram, pois come-se um pastel no Bracarense e não se sente nenhuma saudade dos daqui. O bate papo de fim do dia nos botequins, a algazarra dos transportes públicos que transforma o centro do Rio num misto de Nápoles e uma cidade africana, voluntária desordem e alegria dos ambulantes.

Os cariocas são orgulhosos do seu sotaque (usam o xis para todos os esses das palavras, muito próximo ao lisboeta), da sua aparência descontraída, de ser nada pontual e nem se dar por isso. Quem melhor expressou o way of life do carioca foi a gaúcha Calcanhotto, uma “carioca da gema” como todos que vem de fora: “Cariocas são bonitos / Cariocas são bacanas / Cariocas são sacanas / Cariocas são dourados / Cariocas são modernos / Cariocas são espertos / Cariocas são diretos / Cariocas não gostam de dias nublados / Cariocas nascem bambas / Cariocas nascem craques / Cariocas têm sotaque / Cariocas são alegres / Cariocas são atentos / Cariocas são tão sexys / Cariocas são tão claros”. O que se mais pode dizer? Nada, seja carioca, é um estado de espírito e não de geografia!

Paulo Reis

PS: este texto foi-me pedido pelo mais carioca dos portugueses, António Pinto Ribeiro, e é justamente a ele dedicado juntamente com a “brasileira” São Caleiro, dois intelectuais que admiro.

Paulo Reis nasceu na Baía, transferiu-se para o Rio de Janeiro aos 8 anos de idade. É “carioca da gema” e vive em Lisboa, a carioca cidade portuguesa, por adopção afectiva.




1 comentário: