Talvez tenha a ver com os horários da biografia do quotidiano ou com a topografia das horas, mas subitamente dou-me a cismar sobre duas ruas particulares das mitologias que os anos – e a cidade – me foram erguendo.
As ruas nunca são particulares, naturalmente. Apenas nos apropriamos delas à medida que as reconhecemos e elas nos reconhecem a nós.
Talvez a Rua da Escola Politécnica seja a da velocidade indiferente do dia. A elegante via que corro para aceder à cidade. As janelas que passam por mim, um pouco desprendidas no seu viver-habitualmente burguês. Outrora vaidosamente burguês. Talvez seja uma mulher, elegante e luminosa, por quem passo sem grande atenção, ensimesmado nos negócios do dia.
Talvez a Rua do Século seja a da hora crepuscular. Nocturna, pesada, avenida que traz a noite. Que me carrega os passos indecisos e trocados, pelas dúvidas do dia que se vertem na noite, ou pelo fino álcool que se atravessa. São pedras mais duras. Palácios de um poder antigo. Palácios renunciados, alguns desolados, de um poder agora frouxo. Pedras mais escuras. Muros reflexo dos candeeiros falsamente nostálgicos que intermitentemente iluminam. Servirá de grande consolo re-conhecer que depois de mim lá persistirão as mesmas inamovíveis nocturnas pedras?
Sobram sempre as cidades.
João Amaro Correia
Arquitecto
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deveria assinar arquitecto e poeta. um texto lindo e poético para duas ruas em lisboa. as ruas são assim, não se pisam por acaso. escolhêmo-las porque nos dizem algo, fazem-nos sentir pertença dessas ruas!
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