terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Luís Sepulveda

Luís Sepulveda é um contador de histórias exímio. Faz parte da melhor tradição da cultura da oralidade urbana que nasceu nos cafés de Santiago do Chile, de Buenos Aires e nos botecos do Rio de Janeiro. Há sempre algo de charla na maneira como Sepúlveda tece as suas narrativas, no tempo longo que as suas personagens se permitem ter, personagens que são sempre "figuras" da cidade, na aparente inverosimilhança dos episódios vividos, na sistemática presença de alcunhas, num psicologismo popular. Nesta sua última obra, intitulada "A Sombra do que Fomos", três antigos militantes de esquerda dos tempos da ditadura chilena, hoje sexagenários, decidem, apesar de viverem já num regime democrático, dar o seu último golpe revolucionário. Para tanto, e passados trinta e cinco anos, reunem-se comendo frangos de churrasco num velho armazém nos subúrbios de Santiago. Durante esta reunião discorrem sobre as suas aventuras passadas e sobre o lado tenebroso e mortífero do regime de Pinochet. Ao mesmo tempo, um casal desavindo - ele abandonou a guerrilha e agora passa os dias em casa vendo clássicos do cinema - mata por descuido uma outra personagem, que não era senão um quarto membro do grupo que se lhe juntaria para executar a acção revoluconária. Este episódio acaba por servir para introduzir a tónica de policial, com a entrada na acção de dois detectives - uma jovem e um veterano - que muito humanamente vão resolver o drama. O plano dos três ex-guerrilheiros acaba bem, descobrindo-se, afinal, que tinha sido forjado previamente por um anarquista. Desde o ínicio que as personagens ganham a empatia do leitor, pela candura que transportam e pelo seu idealismo romântico. Mas, atrás desta estória de bons e nostálgicos guerrilheiros, há um aspecto fulcral e profundamente histórico e político. Trata-se, para Sepúlveda, de olhar, estudar e enfrentar o período histórico da Ditadura. O Chile tem feito um esforço importante em tratar esses anos de uma forma histórica e acessível à maioria dos cidadãos, através de centros de documentação, de algum cinema, de muito teatro. Ao ler "A Sombra do que Fomos" percebe-se que todo esse esforço não é, contudo, ainda o suficiente. Até porque este período não está ainda encerrado. Até porque, "dizem que quando os «de cima chegaram», o inspector lia em voz alta o conteúdo de um caderno de contabilidade. Repetia nomes conhecidos, mencionava quantias alarmantes". Assim acaba a novela!


A Sombra do que fomos, trad. de Helena Pitta, Porto Editora, Outubro de 2009

apr

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