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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

E de novo a beleza


Acaba de sair um pequeno livro que resulta de uma conferência dada pelo filósofo francês Jean-Luc Nancy a crianças com mais de dez anos. O tema é a beleza. Dita - e depois passada a livro numa linguagem simples e clara - a conversa de filosofia com os interlocutores, activos e perguntadores, aborda o conceito de Beleza, os equívocos gerados por vocábulos que se avizinham como bonito, prazenteiro, simpático, etc.
O autor que se posiciona numa linha de pensamento estético onde a metafísica subsiste, faz entender a beleza como conceito sem finitude, mas operatório de que as coisas participam ou não, para a qual caminham ou não. Os aspectos mais pertinentes desta conferência, e note-se que ela foi feita para crianças, são: a manifesta insistência de que ainda hoje se pode falar de beleza no meio de um contexto mediático de excesso de opinião e de valorização de obras por autoridades subjectivas, da insistência do pensador de que há sempre uma equivalência entre beleza e verdade e, finalmente, a de que a beleza se pode manifestar de modos inquietantes. A sua interpretação do mito do Narciso, distante da interpretação psicanalítica de Freud, é uma metáfora inteligente e pedagógica para explicar porque nós, enquanto espectadores, nos debruçamos sobre a arte correndo o risco de nos afogarmos. As perguntas das crianças são na sua aparente inocência de bastante dificuldade obrigando o filósofo a uma argumentação sólida e eficaz.

La Beauté, de Jean-Luc Nancy, Ed. Bayrad, Paris 2010

apr

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Dany Laferrière


Este livro estava na lista de espera para ser lido e acontece que acabou por sê-lo exactamente um dia antes do terramoto no Haiti. Este facto não pode deixar de ter um impacto na leitura. Trata-se da obra L'énigme du retour (Prix Médicis 2009 - Grande prémio do livro de Montréal) do haitiano Dany Laferrière (Port-au-Prince, 1953), escritor há muito imigrado no Canadá, onde tem escrito uma obra importante, sendo justamente considerado um dos mais relevantes escritores da diáspora haitiana.

A história parte do anúncio da morte do pai do narrador/autor, acontecimento que o obriga, passados 30 anos, a regressar à sua cidade natal, Port-au-Prince, de onde ambos haviam sido forçados a partir. A narrativa é construída a partir de uma mescla de formatos de textos, que variam entre a forma de versos e textos curtos, muito visuais, espécie de notas de viagem. A leitura deste "caderno de viagens" permite reconstituir toda a viagem: desde a decisão de partir, fazer a mala, recordar os episódios da distante infância, a viagem propriamente dita, com as suas surpresas, vicissitudes, reencontros, decepções. Num trabalho constante de reconstrução da memória, o autor revê as figuras heróicas da infância e da adolescência, o contacto com a escola e a partida. E, finalmente, a nova partida, de regresso ao Norte, à cidade onde agora reside. Do conjunto de textos que, como já se referiu, poderiam constituir todos pequenas "curtas", há alguns que se destacam pela precisão da descrição ou pela singularidade do tema: o sentimento do exilado "que vive sem reflexo no espelho", "o tempo dos livros" e a forma como eles organizam o espaço e a vida em cada nova morada, a vida de bairro na infância, um texto frio sobre a fome, a descrição do vento nas Caraíbas, uma pequena história das artes plásticas nas Caraíbas, etc..

Os relatos de viagem de regresso ao país de origem constituem alguma da melhor literatura africana, sul-americana e caribenha. Os seus autores são grandes escritores que tiveram a experiência do exílio, da diáspora e do sentimento sempre ambíguo entre a nostalgia do país e a dúvida do regresso. Recorde-se a este propósito esse texto maior da literatura das Caraíbas que é Cahier d'un retour au pays natal (1939), de Aimé Césaire, texto que é, aliás, fundador do movimento da Negritude.

O que chega a ser perturbante neste momento e na conclusão desta leitura, é imaginar que para Laferrière, a sua cidade revisitada, Port-au-Prince, já não existe. Destruída, não lhe restará mais do que apenas a recordação da infância e a ilusão do seu reencontro, breve e momentâneo.

Dany Laferrière, L'énigme du retour. Paris: Grasset, 2009

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Piratas



Pirataria literária no Peru, aqui

As a cultural artifact, the book has undeniable power, and the idea of a poor, developing country with a robust informal publishing industry is, on some level, romantic: the pirate as cultural entrepreneur, a Robin Hood figure, stealing from elitist multinational publishers and taking books to the people. The myth is seductive, and repeated often. In a country where a new book can cost 20% of the average workers’ weekly wage, it’s worth asking who could afford to read if it weren’t for pirates?

in Guardian

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Literatura e o Haiti






Etonnants-Voyageurs, Quand les écrivains redécouvrent le monde

José Edmundo Paz Soldán


Entrevista con el escritor boliviano José Edmundo Paz Soldán sobre la magia, lo virtual y lo real en la literatura latinoamericana, la exploración de la intimidad como recurso político y la generación McOndo. Aqui

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Luís Sepulveda

Luís Sepulveda é um contador de histórias exímio. Faz parte da melhor tradição da cultura da oralidade urbana que nasceu nos cafés de Santiago do Chile, de Buenos Aires e nos botecos do Rio de Janeiro. Há sempre algo de charla na maneira como Sepúlveda tece as suas narrativas, no tempo longo que as suas personagens se permitem ter, personagens que são sempre "figuras" da cidade, na aparente inverosimilhança dos episódios vividos, na sistemática presença de alcunhas, num psicologismo popular. Nesta sua última obra, intitulada "A Sombra do que Fomos", três antigos militantes de esquerda dos tempos da ditadura chilena, hoje sexagenários, decidem, apesar de viverem já num regime democrático, dar o seu último golpe revolucionário. Para tanto, e passados trinta e cinco anos, reunem-se comendo frangos de churrasco num velho armazém nos subúrbios de Santiago. Durante esta reunião discorrem sobre as suas aventuras passadas e sobre o lado tenebroso e mortífero do regime de Pinochet. Ao mesmo tempo, um casal desavindo - ele abandonou a guerrilha e agora passa os dias em casa vendo clássicos do cinema - mata por descuido uma outra personagem, que não era senão um quarto membro do grupo que se lhe juntaria para executar a acção revoluconária. Este episódio acaba por servir para introduzir a tónica de policial, com a entrada na acção de dois detectives - uma jovem e um veterano - que muito humanamente vão resolver o drama. O plano dos três ex-guerrilheiros acaba bem, descobrindo-se, afinal, que tinha sido forjado previamente por um anarquista. Desde o ínicio que as personagens ganham a empatia do leitor, pela candura que transportam e pelo seu idealismo romântico. Mas, atrás desta estória de bons e nostálgicos guerrilheiros, há um aspecto fulcral e profundamente histórico e político. Trata-se, para Sepúlveda, de olhar, estudar e enfrentar o período histórico da Ditadura. O Chile tem feito um esforço importante em tratar esses anos de uma forma histórica e acessível à maioria dos cidadãos, através de centros de documentação, de algum cinema, de muito teatro. Ao ler "A Sombra do que Fomos" percebe-se que todo esse esforço não é, contudo, ainda o suficiente. Até porque este período não está ainda encerrado. Até porque, "dizem que quando os «de cima chegaram», o inspector lia em voz alta o conteúdo de um caderno de contabilidade. Repetia nomes conhecidos, mencionava quantias alarmantes". Assim acaba a novela!


A Sombra do que fomos, trad. de Helena Pitta, Porto Editora, Outubro de 2009

apr

sábado, 16 de janeiro de 2010

A pergunta não é: que pode a literatura? Mas sim: que podem os literatos?

A três páginas, apenas a três páginas, do final da novela Noturno do Chile, o narrador afirma: "É assim que se faz literatura no Chile, mas não só no Chile, também na Argentina e no México, na Guatemala e no Uruguai, e na Espanha, na França e na Alemanha, e na verde Inglaterra, e na alegre Itália. Assim se faz literatura". É demolidora esta afirmação. Ela encerra a história ancestral da relação de comprometimento de muitos intelectuais, escritores, artistas, com o despotismo, o fascismo, a repressão. Neste livro, esta relação de comprometimento tem o seu contexto no Chile da ditadura de Pinochet e da junta militar, mas ela alastra-se à história dos intelectuais ocidentais. Um jovem padre de sólida formação intelectual clássica, crítico literário, poeta, professor, que leu todos os cânones da literatura e da filosofia ocidental, que viajou pela Europa herdeira do renascimento, do iluminismo, dos modernismos, vê-se, em determinada altura, constrangido a dar aulas de Marxismo a Pinochet e à Junta Militar. Entre o absurdo da situação e o despudor com que a aceita, há todo um mundo de acontecimentos de que permanentemente se alheia: "... Lafourcade publicou palomita blanca, fiz uma boa critica, quase uma glosa triunfal, embora no fundo eu soubesse que era um romancinho que não valia nada, organizou-se a primeira marcha das panelas contra Allende, (...) houve atentados, li Tucídides, as longas guerras de Tucídides (...), também reli Demóstenes, Menandro, Aristóteles e Platão (que sempre é proveitoso), houve greves, (...) depois mataram o ajudante de ordens naval de Allende, houve distúrbios, (...) depois veio o golpe de estado, o levante, o pronunciemiente militar, bombardearam La Moneda, e, quando terminou o bombardeio, o presidente se suicidou e tudo acabou. Então eu fiquei quieto, com um dedo na página que estava lendo, e pensei: que paz." Acabará por beneficiar da sua situação de professor de Pinochet e depois envolver-se em tertúlias literárias numa casa que, se saberá depois, ser um lugar de interrogatório e de tortura da policia política da ditadura. Já velho, remomoriza toda a sua vida. O mais grave não é ter sido cúmplice de Pinochet, o mais grave, sabe-o bem, é ter fingido que a sua actuação não era política. Como hoje, aliás, a acontece a muitos outros intelectuais : "e depois se desencadeia a tormenta de merda", última frase do livro.

Noturno do Chile, de Roberto Bolaño (2000) tradução de Eduardo Brandão. SP: Companhia das Letras, 2004

apr

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Literatura febril e paulista

O Cheiro do Ralo, de Lourenço Mutarelli (S. Paulo, 1964), é uma obra que parece resultar de uma atitude de escrita automática, sem qualquer instância intermediária que a filtre, componha ou exercite. E, contudo, não é verdade. Esta ilusão estilística provém de um grande treino anterior do escritor, autor de várias obras de relevo de banda desenhada ou, como se diz no Brasil, de livros de quadrinhos. As frases são curtas, sincopadas, marcadas pelo recurso a onomatopeias e onde a função pragmática da linguagem é uma constante. O próprio aspecto gráfico das páginas evoca esse universo da literatura gráfica característico da BD. O Cheiro do Ralo relata o quotidiano do dono e único empregado de balcão de uma loja de penhores num universo urbano, cujos clientes são as figuras dos aflitos que a procuram pelas razões mais diversas. Como particularidade, esta loja tem um ralo (pia) entupido de onde sai um odor nauseabundo, que se intensifica sempre que as situações de tensão vividas pelo protagonista mais evidentes se tornam. É excelente esta metáfora urbana da condição de vida de um abandonado/homem só, cuja rotina diária se faz entre a mal-cheirosa loja, um quiosque de comida rápida e a sua casa, onde adormece fazendo zapping defronte da televisão. O insólito desta narrativa, escrita num ritmo avassalador, possessivo e febril, passa por uma ironia sofisticada, onde a evocação de obras maiores da literatura serve como inserts e os trechos sobre as fantasias sexuais são da autoria de “insuspeitas” personagens. O Cheiro do Ralo – adaptado ao cinema em 2006 - é um dos títulos interessantes da nova literatura brasileira e paulista.

Editora Devir Livraria, S. Paulo, 2002,

Do autor podem ser lidas várias obras de BD, uma das quais – O Rei do Ponto – foi premiada no 11º Festival de BD da Amadora

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Dennis Brutus



Morreu Dennis Brutus, poeta sul-africano. Mais aqui



1.
Golden oaks and jacarandas

flowering:

exquisite images

to wrench my heart.



2.
Each day, each hour

is not painful,

exile is not amputation,

there is no bleeding wound

no torn flesh and severed nerves;

the secret is clamping down

holding the lid of awareness tight shut—

sealing in the acrid searing stench

that scalds the eyes,

swallows up the breath

and fixes the brain in a wail—

until some thoughtless questioner

pries the sealed lid loose;


I can exclude awareness of exile

until someone calls me one.



3.
The agony returns;

after a crisis, delirium,

surcease and aftermath;

my heart knows an exhausted calm,

catharsis brings forgetfulness

but

with recovery, resilience

the agony returns.



4.
At night

to put myself to sleep

I play alphabet games

but something reminds me of you

and I cry out

and am wakened.



5.
I have been bedded

in London and Paris

Amsterdam and Rotterdam,

in Munich and Frankfort

Warsaw and Rome—

and still my heart cries out for home!



6.
Exile

is the reproach

of beauty

in a foreign landscape,

vaguely familiar

because it echoes

remembered beauty.



(1975)


E um dos maiores poetas africanos, um herói.