terça-feira, 22 de setembro de 2009

Um excelente estudo sobre as metas do desenvolvimento do milénio nos países da CPLP, realizado pela Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade (Moçambique), que será tornado público proximamente, confirma dados que são preocupantes. Se existem países onde as metas do desenvolvimento serão cumpridas, há outros cujo cepticismo é uma constante em todas as áreas, impedindo que sejam alcançadas. É o caso da Guiné Bissau, que actualmente é já um país com muito pouco Estado, Timor , que enfrenta enormes dificuldades de estruturação social e económica, e S. Tomé, onde a pobreza, a ameaça do desequilíbrio ambiental e a educação tornam difícil a realização destas metas. Todos desejamos fortemente que o consigam, mas a racionalidade, que é imperativa nesta análise, aponta no sentido contrário. O que fazer? Inventar novas formas de apoio ao desenvolvimento ouvindo, analisando, avaliando o que foi feito e não desistir.



[Fotografia de Rui Hermenegildo]
Agora passados anos estou aqui defronte ao mar numa ilha cuja definição clássica é, mais do que nunca, pertinente: um pedaço de terra rodeado de água por todos os lados. Em frente, o oceano, imenso, de onde parece que nada chegará. À esquerda, no recorte de uma curta marginal, casas coloniais que ficaram do antigo império, dos tempos gloriosos e luxuriantes do cultivo do cacau. As casas estão em silêncio, as portadas fechadas, o trânsito de automóveis é mínimo. Daqui a momentos, cairá a noite, assim, de repente, como uma cortina veloz, como acontece sempre em África. E depois, começam a surgir algumas luzes vagas, tremeluzindo numa encosta da montanha ou numa pequena curva da marginal. A essa hora já não haverá crianças nas ruas, e são poucos os mais velhos que se encontram de regresso às suas aldeias. A cidade vai adormecer e, a não ser que uma tempestade a acorde, a noite será sossegada até o dia raiar, muito cedo, muito luminoso, muito húmido.
Nesta cidade houve tempos de grandes poetas negros, mestiços, brancos. Como Caetano da Costa Alegre, que morreu jovem (1864-1890).

“Eu e os Passeantes”

Passa uma inglesa,
E logo acode,
Toda surpresa:
What black my God
Se é espanhola,
A que me viu,
Diz como rola:
Que alto, Dios mio
E, se é francesa:
O quel beau negre!
Rindo para mim.
Se é portuguesa
Ó Costa Alegre!
Tens um atchim!
Há uns anos, durante alguns meses, tive obrigatoriamente de fazer todos os dias um percurso de carro que começava às 8 horas e durava cerca de 40 minutos. Nesse tempo, ouvia a RDP África que a essa hora tinha um noticiário que incluía as intervenções dos correspondentes das capitais dos países africanos de língua portuguesa. Recordo-me que era sempre com grande expectativa que aguardava pelo correspondente de S.Tomé e Príncipe. Esta devia-se ao facto daquele correspondente, nos dez minutos que lhe eram destinados, ter de fazer um enorme esforço para dar notícias. Utilizava, no entanto, uma estratégia: falava devagar, pausadamente, fazia sempre referências a outras notícias dadas por outros correspondentes ou emitidas pela estação central e, finalmente, enaltecia um acontecimento ou episódio que, noutras circunstâncias, seria uma não notícia. Ele não tinha culpa. Mas, tirando uma reunião de dadores internacionais, a ameaça de mudança de governo que, afinal, era mais pacífica do que poderia parecer, alguma visita de um governante europeu - não muito assíduas e cuja substância também não era grande - , tudo junto não chegava para tornar o noticiário de S. Tomé e Príncipe imperdível. E, contudo, eu gostava de o ouvir. O ponto de vista do mundo a partir dali era relativamente tranquilo, havia um tempo de conversa deliciosamente lento que fazia com que, naqueles dez minutos de ligação às ilhas do Equador, o mundo repousasse numa quietude tropical. Um dia, houve um atropelamento por uma motorizada e recordo a exaltação do repórter a relatar as consequências que, segundo ele, teriam para a direcção geral de viação e, naturalmente para as famílias dos intervenientes daquele episódio que, por um dia, foi a manchete negra do noticiário africano.

apr

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O Verão ainda não acabou




[Fotografias de Ana Gaiaz]

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Onde está este embondeiro?




in Revista Índico

[clickar sobre a imagem para melhor leitura]

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Bienal (II)

Dos três dias de visita a parte da Bienal ficam como referências pertinentes:

Os desenhos de Susan Hefuna. Uma obra baseada nas possibilidades ilimitadas do desenho, na potência (diria Aristóteles) deste meio para criar novos mundos, novos movimentos. Como com Lygia Pape voltamos a falar de beleza.



A instalação "Human Being" de Pascale Martin Theyrou, ou como uma comunidade africana pode servir de abrigo a outros mundos; diversos, complexos, estranhos e contraditórios num ambiente criado a partir de elementos materiais de construção de casas e de pigmentos de cores tão primárias, quanto essenciais.



A projecção de Paul Chan (artista presente na exposição Um Atlas de Acontecimentos/ Estado do Mundo) onde a citação de Sade é conjugada com sombras e planos picturais abstractos confirmando mais uma vez o trabalho conseguido deste artista em conjugar a dimensão espiritual da vida com a tecnologia mais sofisticada.



A obra de Cildo Meireles- um conjunto de seis espaços cúbicos de cores variadas e em gradação de intensidade numa síntese admirável entre conceptualiazação e matéria de côr e também numa delicada homenagem ao trabalho de Helio Oiticica.

apr
As venezianas reconhecem-se pela elegância e firmeza com que andam (há séculos) sobre os saltos mais altos de Itália.
A Bienal

Discutem-se as bienais, os seus modelos, a sua pertinência, a sua eficácia, o seu número sempre crescente, que aumenta todos os anos.
Discutem-se de um modo mais radical (S.Paulo), ou menos (Istambul), mas a Bienal de Veneza persiste sem que estas discussões a afectem muito. Na verdade, ela é um sustentáculo importante do turismo cultural, veneziano em particular e italiano em geral, como o é do mercado mainstream das artes plásticas. As suas últimas edições, depois do curador italiano Achille Bonito (1993), têm vindo a incluir, de um modo citacional, algumas das questões com que se debate a criação e distribuição artísticas contemporâneas, através da introdução de alterações tímidas no seu formato.
Este ano, sob a curadoria do sueco Daniel Birnbaum (n.1963), e tendo por tema um problema recorrente da filosofia da linguagem - Fazer mundos - a 53a edição da Bienal de Veneza é a que terá levado mais longe as preocupações da contemporaneidade para "o interior" das artes. O aspecto mais elucidativo desta alteração decorre da selecção das obras e dos artistas presentes no espaço expositivo do Arsenal e, muito em particular, da montagem que aí foi feita. Num mundo tão marcado pela crise do capitalismo, em particular pela sensação do esgotamento do seu modelo de produção, para cuja substituição, contudo, parece ainda não ter sido encontrado um alternativo – ou, pelo menos, ser outro modelo de vida social e económico universalmente aceite - iniciar uma exposição com uma obra notável de Lygia Pape (1927-2004) é um acontecimento inteligente só por si. Ttéia, obra criada em 2002, é uma teia de fios de ouro habilmente construída, simulando colunas de luz que ligam planos opostos e antagónicos. A obra é de uma espiritualidade absoluta e estabelece uma ponte eficaz entre a ancestralidade e o futuro. Acresce que esta obra permite ao visitante a possibilidade de regressar a um tema "oculto" que é a beleza, e coloca-o na possibilidade de alguma transcendência poder novamente acontecer frente a uma obra de arte.
Depois deste início sublime, a exposição continua com um gesto poderoso de ruptura contra a monumentalidade, materializado na violência exercida por Michelangelo Pistoletto (n.1933) sobre um conjunto monumental de espelhos adornadamente emoldurados. Esta componente de intervenção no real e, portanto, criando mundos, permanece em toda esta montagem, intitulada Seventeen less one, cuja ideia inicial data do final da década de 1960. De algum modo, e salvo a distância da escala, esta exposição corresponde também às expectativas do Próximo Futuro, enquanto programa cultural de intervenção.




quarta-feira, 9 de setembro de 2009


Uma ideia culta e muito simples

A Actv, ou seja a empresa pública dos transportes de Veneza e, em especial dos vaporetos, criou, em colaboração com outras organizações da Sereníssima (universidade, empresas, etc), uma colecção de livros a que chamou Subway Letteratura. Publicou 4.500.000 exemplares em papel totalmente reciclado e colocou-os gratuitamente - actualmente são 13 títulos, de novelas, poesia e contos de autores italianos - em escaparates nas estações dos vaporetos. Estes livros têm ainda a particularidade de serem de pequena dimensão (11x9cm e 12 páginas), terem capas e ilustrações muito bonitas e incluírem um prefácio (sim, têm todos um prefácio de introdução à obra, cuja linguagem é de uma clareza invulgar). Dada a sua dimensão e tiragem, não há desperdício de papel e o custo é baixíssimo. A ideia é desafiar o cidadão que apanha o vaporeto para curtas viagens a ler, nesse curto espaço de tempo que a viagem lhe permite, um livro de 12 páginas. E se a sua viagem for mesmo muito curta, digamos entre três estações, pode apenas ler metade do livro reservando a outra metade para o regresso.

3 dias em Veneza



Veneza da escritora Jan Morris é o livro ideal para trazer para esta viagem. Não é um guia de viagem, nem um romance com Veneza como cenário, nem um catálogo de citações a propósito da cidade italiana. É um livro escrito por alguém que viveu por várias vezes nesta cidade em circunstâncias muito diferentes. Dá-se o caso, de por exemplo, a primeira edição da obra ser de 1960 quando a autora era ainda o autor James Morris. O facto de ser um livro de uma reputada escritora de literatura de viagens, mas que tem a singularidade de fazer da sua experiência de habitante sazonal das cidades que escreve torna a leitura um enorme exercício de prazer para o que contribui uma espécie de labirinto de surpresas dado pela diversidade de trechos. Em Veneza Jan Morris tanto nos descreve a fundação da cidade, como toda a organização dos serviços complicadíssimos da recolha do lixo, os heróis da história da Sereníssima, o impacto das viagens de Marco Polo, o sistema complexo da eleição dos Doges, quanto as marcas das influências islâmicas ou inglesas, a descrição pormenorizada das últimas duas pinturas de Tintoretto e de Ticiano, a comida veneziana, etc. Embora seja alguém que muito gosta da cidade, Jan Morris não se escusa a descrever a malícia, as histórias perversas, a malvadez de muitas das suas personagens e até a ser objectivamente crítica face a traços menos qualificados dos habitantes. Com alguma tolerância, é certo, nomeadamente no que diz respeito aos gondoleiros,mas acutilante relativamente à sobranceria, ao oportunismo, à pequena vigarice do comerciante ou à altivez do hoteleiro.
São muitos os trechos de detalhe do dia a dia de quem de facto viveu intensamente a cidade , a par das referências das dezenas de narrativas de escritores ou testemunhos de músicos, soldados, cineastas em relação à cidade.
O livro tem a grandeza de descrever a morfologia da cidade combinada com uma história de costumes e de mentalidades. É um livro sobre uma cidade antiga cuja leitura é no presente de um enorme prazer. Há uma excelente edição portuguesa na editora Tinta da China.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009




Uma sobremesa simples para quando se quiser

Duas mangas rosa, daquelas de casca amarela de um lado, avermelhada do outro e que cabem na mão

Lavar bem e descascar com uma faca de lâmina fina; deixar que o sumo, muito espesso, escorra nos dedos fechar os olhos.
Não pôr açucar, nem limão.
Não levar ao frigorífico.
Sugar cada manga como se fosse a última.
Permitir que a língua encontre o caroço da fruta.
Deixar-se ficar em "revêrie" o tempo que puder.

apr

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ainda o Chile e o cinema latino-americano, aqui

terça-feira, 1 de setembro de 2009